terça-feira, 23 de setembro de 2008

By Day

Louvre pela manhã. Adormecidos em recostos pardos de uma cena cinzenta. Tudo é silêncio. A melhor hora do dia é a hora deserta.
Pont des Arts. Eu a atravesso olhando o verdejar do Sena aos meus pés. Quero e não quero o isolamento.
Os sebos ainda estão fechados. Os barcos ainda estão atracados. Os turistas ainda estão dormindo.
O rosto de Jim Morrison está por toda a parte, estampando cada banca de souvenirs. Esse americano de Los Angeles está para sempre incrustado na cidade das luzes, mesmo sendo tão diferente dela. A morte deu Paris a ele. Americano em vida, parisiense na morte. Deixe-me dormir à noite inteira em sua cozinha de almas.
A temporada no inferno é o tempo dos assassinos e o tempo para colher.
Paris como um filme à minha frente. Pessoas vêm e vão, em afazeres misteriosos e idiomas desconhecidos.
Dentro do metrô, indo para algum lugar. Desconheço o mundo e suas nuances.
Entro numa catedral dourada para me esconder da chuva. A chuva aqui não se anuncia.
Arabescos e sacadas contornam as cúpulas da igreja secular. Imagens de anjos, mortes, nascimentos.
Um fiel de pele escura se ajoelha diante do altar adornado e se prostra em humildade aos olhos da imponência áurea de Deus. Olho para o homem e olho para os candelabros. O mundo não é só imagem. Há alguma coisa escondida, alguma coisa que só é acessível para aqueles que abrem mão e seguem adiante. Sinto isso.
O homem de pele escura ergue as mãos num gesto de reverência. Ele sente que suas palavras de fato atingem Deus; por isso são palavras desprovidas de riscas.
Paris. Uma sucessão de imagens e circunstâncias que vou descrevendo, assistindo, sentindo, indiscriminadamente.
Todo mundo por aqui lê Rimbaud. Todo mundo. E usa cachecol e senta em cafés e fuma cigarros. Mas isso não me interessa. Me interessa aquela fagulha escondida, aquela essência sutil e silenciosa que o fiel na catedral buscou com as mãos estendidas.
Quero encontrar Rimbaud por trás dos séculos. Quero dar de ombros à Abissínia. Quero me encontrar por trás dos ruídos.
Vim até a terra dos fantasmas para encontrar um único fantasma. O fantasma que nunca fala e que nunca morre.
Sei que algum dia vou morrer e luto contra o tempo. O tempo da viagem, o tempo da vida. Não quero lutar. Quero fazer parte. Uma parte inerente à cidade, à vida e ao tempo. Quero escrever até morrer porque é só o que sei fazer.
A essência escassa, rara, oculta e sutil. O resto é somente cachecóis, cafés e cigarros.

Um comentário:

Rocha disse...

Salve Daniel!
Parabéns pelas crônicas, extremamente poeticas e cheias de referências bacanas.
Faço Teatro no Rio e essa frase:
Quando eu era pequeno, minha mãe disse "filho, não se meta com armas". Mas eu matei um homem em Reno só para vê-lo morrer... , me chamou muito a atenção, pensei isso daria uma peça...
Gostaria de saber se vc já escreveu para Teatro, se tem algo que eu possa ler ou alguma estória com "tintas fortes" na cabeça que possa ser transformada cenicamente?

Luiz AnTônio Rocha